Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(472)

Omar Khayyam


Omar Khayyam

O tedio de Khayyam não é o tedio de quem não sabe o que faça, porque na verdade nada póde ou sabe fazer. Esse é o tedio dos que nasceram mortos, e dos que legitimamente se orientam para a morphina ou a cocaina. É mais profundo e mais nobre o tedio do sabio persa. É o tedio de quem pensou claramente e viu que tudo era obscuro; de quem mediu todas as religiões e todas as philosophias e depois disse, como Salomão: "Vi que tudo era vaidade e afflicções de animo", ou como, ao despedir-se do poder e do mundo, outro rei, que era imperador, nelle, Septimio Severo: "Omnia fui, nihil...... "Fui tudo; nada vale a pena".

A vida, disse Tarde, é a busca do impossivel atravez do inutil; assim diria, se o houvesse dito, Omar Khayyam.

De ahi a insistencia do persa no uso do vinho. Bebe! Bebe! é toda a sua philosophia practica. Não é o beber da alegria, que bebe porque mais se alegre, porque mais seja ella mesma. Não é o beber do desespero, que bebe para esquecer, para ser menos elle mesmo. Ao vinho junta a alegria a acção e o amor; e ha que reparar que não ha em Khayyam nota alguma de energia, nenhuma phrase de amor. Aquella Sàki, cuja figura gracil entrevista surge (mas surge pouco) nos rubayat, não é senão a "rapariga que serve o vinho". O poeta é grato à sua esvelteza como o fôra à esvelteza da amphora, onde o vinho se contivesse.

A alegria falla, do vinho, como o Deão Aldrich:...

A philosophia practica de Khayyam reduz-se pois a um epicurismo suave, esbatido até ao minimo do desejo de prazer. Basta-lhe ver rosas e beber vinho. Uma brisa leve, uma conversa sem intuito nem proposito, um pucaro de vinho, flores, em isso, e em não mais do que isso, põe o sabio persa o seu desejo maximo. O amor agita e cansa, a acção dispersa e falha, ninguem sabe saber e pensar embacia tudo. Mais vale pois cessar em nós de desejar ou de esperar, de ter a pretensão futil de explicar o mundo, ou o proposito estulto de o emendar ou governar. Tudo é nada, ou, como se diz na Anthologia Grega, "tudo vem da sem-razão", e é um grego, e portanto um racional, que o diz.