... o grande Shakespeare que é toda a gente


... o grande Shakespeare que é toda a gente, o Homero impessoal que, como talvez o próprio Homero, é uma grande verdade que não é ninguém.

A maior viagem que se pode fazer é a de circum-navegação, que tem por fim voltar ao mesmo sítio.

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O maior emprego da vontade é o do imobilismo. O mais certo é estar absolutamente parado.

Não a ascese do Cristo, que é o egoísmo transposto de onanismo[?]. Não a ascese de negar que ilumina os Budas — que essa vive com a luz do amor humano, translato para uma expressão divina. Não esse e não essa, mas o entusiasmo vulgar de negação inteira, além do amor e do ódio, do bem e do mal, da morte e da vida, expressão única e inteira do corpo abstracto do abismo sem ser.


Título: ... o grande Shakespeare que é toda a gente
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 676
Página: 546
Nota: [133D-39 e 39a, ms.];
Nota: Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego". Texto retirado do corpus na edição de 2013.