Não é nos largos campos


L. do D.

Não é nos largos campos ou nos jardins grandes que
vejo chegar a primavera. É nas poucas arvores pobres de
um largo pequeno da cidade. Alli a verdura destaca como
uma davida e é alegre como uma boa tristeza.

Amo esses largos solitarios, intercalados entre ruas
de pouco transito, e elles mesmos sem mais transito que
as ruas. São clareiras inuteis, coisas que esperam, entre
tumultos longinquos. São de aldeia na cidade.

Passo por elles, subo qualquer das ruas suas affluen-
tes, depois desço de novo essa rua, para a elle regressar.
Visto do outro lado é differente, mas a mesma paz deixa
dourar da saudade subita — sol no occaso — o lado que não
vira na ida.

Tudo é inutil, e eu o sinto como tal. Quanto vivi se
me esqueceu como se ouvira distrahido. Quanto serei me
não lembra como se o tivera vivido e esquecido.

Um occaso de magua leve paira vago em meu torno. Tudo
esfria, não porque esfrie, mas porque entrei numa rua es-
treita e o largo cessou.

                                            31/5/1932.


Identificação: bn-acpc-e-e3-3-1-88_0155_78_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.5cm X 21.6cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Datiloscrito (blue-ink) : Testemunho dactiloscrito a tinta azul.
Data: 31-05-1932
Nota: LdoD, Texto escrito no recto de uma folha inteira.
Fac-símiles: BNP/E3, 3-78r.1