Não sei quantos terão contemplado


L. do D.

Não sei quantos terão contemplado, com o olhar
que merece, uma rua deserta com gente nella. Já este modo de
dizer parece querer dizer qualquer outra cousa, e effectiva-
mente a quer dizer. Uma rua deserta não é uma rua onde não
passa ninguem, mas uma rua onde os que passam, passam nella
como se fôsse deserta. Não ha difficuldade em comprehender
isto desde que se o tenha visto:. uma zebra é impossivel pa-
ra quem não conheça mais que um burro.

As sensações ajustam-se, dentro de nós,
a certos graus e typos da comprehensão d'ellas. Ha maneiras
de entender que teem maneiras de ser entendidas.



Ha dias em que sobe em mim, como que da terra
alheia à cabeça propria, um tedio, uma magua, uma angustia
de viver que só me não parece insupportavel porque de facto
a supporto. É um estrangulamento da vida em mim mesmo, um
desejo de ser outra pessoa em todos os póros, uma breve no-
ticia do fim.


Identificação: bn-acpc-e-e3-3-1-88_0159_80_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.8cm X 24.8cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Datiloscrito (black-ink) : Testemunho datiloscrito a tinta preta.
Data: 1932 (low)
Nota: LdoD, Texto escrito no recto de uma folha inteira.
Fac-símiles: BNP/E3, 3-80r.1