Chove muito, mais, sempre mais...


L. do D

Chove muito, mais, sempre mais... Há como que uma cousa que vae desabar no exterior negro...

Todo o amontoado irregular e montanhoso da cidade parece-me hoje uma planicie, uma planicie de chuva. Por onde quer que alongue os olhos tudo é côr de chuva, negro-pallido.

Tenho sensações estranhas, todas elas frias. Ora me parece que a paysagem essencial é a bruma, e que as casas /é que/ são a bruma que a vela.

Uma especie de preneurose do que serei quando já não fôr gela-me corpo e alma. Uma como que lembrança da minha morte futura arrepia-me de dentro. N'uma nevoa de intuição sinto-me materia morta, cahido na chuva, gemido pelo vento,

E o frio do que não sentirei morde o coração actual.


Título: Chove muito, mais, sempre mais...
Heterónimo: Não atribuído
Número: 38
Página: 48
Data: 1913 (low)
Nota: [5-2r];