Quanto mais contemplo o spectaculo do mundo


Quanto mais contemplo o spectaculo do mundo, e o fluxo e refluxo da mutação das cousas, mais profundamente me compenetro da ficção ingenita de tudo, do prestigio falso /da pompa/ de todas as realidades. E nesta contemplação, que a todos, que reflectem, uma ou outra vez terá succedido, a marcha multicolor dos costumes e das modas, o caminho complexo dos progressos e das civilizações, a confusão grandiosa dos imperios e das culturas — tudo isso me apparece como um mytho e uma ficção, sonhado entre sombras e desmoronamentos. Mas não sei se a definição suprema de todos esses propositos mortos, até quando conseguidos, deva estar na abdicação extatica do Buddha, que, ao comprehender a vacuidade das cousas, se ergueu do seu extase dizendo "Já sei tudo", ou na indifferença demasiado experiente do imperador Severo: "omnia fui, nihil expedit — fui tudo, nada val a pena".


Título: Quanto mais contemplo o spectaculo do mundo
Heterónimo: Não atribuído
Número: 138
Página: 143
Data: 1917 (low)
Nota: [5-30r];