Mas a exclusão, que me impuz


L. do D.

Mas a exclusão, que me impuz, dos fins e dos movimentos da vida; a ruptura, que procurei, do meu contacto com as cousas — levou-me precisamente áquillo a que eu procurava fugir. Eu não queria sentir a vida, nem tocar nas cousas, sabendo, pela experiencia do meu temperamento em contagio do mundo, que a sensação da vida era sempre dolorosa para mim. Mas ao evitar esse contacto, isolei-me, e, isolando-me, exacerbei a minha sensibilidade já excessiva. Se fosse possivel cortar de todo o contacto com as cousas, bem iria á minha sensibilidade. Mas esse isolamento total não pode realizar-se. Por menos que eu faça, respiro, por menos que aja, movo-me. E, assim, conseguindo exacerbar a minha sensibilidade pelo isolamento, consegui que os factos minimos, que antes mesmo a mim nada fariam, me ferissem como catastrophes. Errei o methodo de fuga. Fugi, por um rodeio incommodo, para o mesmo logar onde estava, com o cansaço da viagem sobre o horror de viver alli.

Nunca encarei o suicidio como uma solução, porque eu odeio a vida por amor a ella. Levei tempo a convencer-me d'este lamentavel equivoco em que vivo commigo. Convencido d'elle, fiquei desgostoso, o que sempre me acontece quando me convenço de qualquer cousa, porque o convencimento é em mim sempre a perda de uma illusão.

Matei a vontade a analysal-a. Quem me tornará a infancia antes da analyse, ainda que antes da vontade!

Nos meus parques, somno morto, a somnolencia dos tanques ao sol-alto, quando os rumores dos insectos chusmam na hora e me pesa viver, não como uma magua, mas como uma dôr physica por concluir.

Palacios muito longe, parques absortos, a estreiteza das aleas ao longe, a graça morta dos bancos de pedra para os que fôram — pompas mortas, graça desfeita, ouropel perdido. Meu anseio que esqueço, quem me dera recuperar a magua com que te sonhei.


Título: Mas a exclusão, que me impuz
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: I
Número: 226
Página: 251 - 252
Nota: [5-10, dact.];