A EVOLUÇÃO DA INACÇÃO | A única vantagem assente


A EVOLUÇÃO DA INACÇÃO

A única vantagem assente deste /modo moderno/ de nos arreliarmos com muita coisa e termos muitas contas a pagar ao que se chame a civilização moderna, é as facilidades, mais psíquicas do que físicas, que concede a quem se dedica ao único mister nobre que hoje resta — o ofício de não fazer nada.

Oscar Wilde já escreveu sobre este ponto, deixando, como era seu costume, tudo por dizer sobre o assunto. Ele porém tratou-o do ponto de vista artístico, deixando, pois, ainda mais para dizer do que era de esperar. Porque o que realmente urge e supre a inacção não é o torná-la contemplação artística — esse é um utilitarismo de café janota —, é o empregá-la apenas para não satisfazer fim nenhum. Desde que não sei que criatura mal-pensante deu em meter na /peanha dos comuns/ que se não devia fazer nada porque isso era belo, ficava por ver o que havia a ver no problema... O que, de facto, há de realmente belo na inacção não é o ela ser bela ou cómoda; é o ela ser inacção... Todo o outro conceito que dela se faça é deturpador e peripatético.

Vamos à parte séria do caso. E não esqueçamos nunca que é da evolução da inacção que havemos de vir a tratar.


Título: A EVOLUÇÃO DA INACÇÃO | A única vantagem assente
Heterónimo: Vicente Guedes
Número: 97
Página: 109
Nota: [55I-75, ms. pt.];
Nota: Teresa Sobral Cunha edita este texto como parte da sequência 'A EVOLUÇÃO DA INACÇÃO' (2008: 109-110). Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego".