Como Diógenes a Alexandre


Como Diógenes a Alexandre, só pedi à vida que me não tirasse o sol. Tive desejos, mas foi-me negada a razão de tê-los. O que achei, mais valera tê-lo realmente achado. O sonho ☐

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Tenho construído em passeio frases perfeitas, de que depois me não lembro em casa. A poesia inefável dessas frases — não sei se será toda do que foram, se parte de não terem nunca sido.

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Hesito em tudo, muitas vezes sem saber porquê. Que de vezes busco, como linha recta que me é própria, concebendo-a mentalmente como a linha recta ideal, a distância menos curta entre dois pontos. Nunca tive a arte de estar vivo activamente. Errei sempre os gestos que ninguém erra; o que os outros nasceram para fazer, esforcei-me sempre para não deixar de fazer. Desejei sempre conseguir o que os outros conseguiram quase sem o desejar. Entre mim e a vida houve sempre vidros foscos: não soube dela pela vista, nem pelo tacto; nem a vivi em vida ou em plano, fui o devaneio do que quis ser, o meu sonho começou na minha vontade, o meu propósito foi sempre a primeira ficção do que nunca fui.

Nunca soube se era de mais a minha sensibilidade para a minha inteligência, ou a minha inteligência para a minha sensibilidade. Tardei sempre, não sei a qual, talvez a ambas, ou uma ou outra, ou foi a terceira que tardou.

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Dos sonhadores de milénios — socialistas, anarquistas, humanitários de toda espécie — tenho a náusea física, do estômago. São os idealistas sem ideal. São os pensadores sem pensamento. Querem a superfície da vida por uma fatalidade de lixo, que bóia à tona de água e se julga belo, porque as conchas dispersas bóiam à tona de água também.


Título: Como Diógenes a Alexandre
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 399
Página: 363 - 364
Nota: [2-32, ms.];