As nossas sensações passam


As nossas sensações passam — como possuil-as pois — ou o que ellas mostram muito menos. Possue alguem um rio que corre, pertence a alguem o vento que passa?

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Não possuimos nem um corpo nem uma verdade — nem sequér uma illusão. Somos phantasmas de mentiras, sombras de illusões. A nossa vida é vã por fóra e por dentro.

Conhece alguem as fronteiras á sua alma, para que possa dizer — eu sou eu?

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Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu.

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Quando outro possue esse corpo, possui n'elle o mesmo que eu? Não. Possue outra sensação.

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Possuimos nós alguma cousa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuimos?


Título: As nossas sensações passam
Heterónimo: Não atribuído
Número: 525
Página: 488
Nota: [9-29];
Nota: Jerónimo Pizarro edita este texto em apêndice, integrado no conjunto "Textos sem destinação certa integrados dentro do núcleo" (2010: 477-489).