LAGOA DA POSSE | A posse é para meu pensar uma lagoa absurda


LAGOA DA POSSE

A posse é para meu pensar uma lagoa absurda — muito grande, muito escura, muito pouco profunda. Parece funda a água porque é falsa de suja.

A morte? Mas a morte está dentro da vida. Morro totalmente? Não sei da vida. Sobrevivo-me? Continuo a viver.

O sonho? Mas o sonho está dentro da vida. Vivemos o sonho? Vivemos. Sonhamo-lo apenas? Morremos. E a morte está dentro da vida.

Como a nossa sombra a vida persegue-nos. E só não há sombra quando tudo é sombra. A vida só nos não persegue quando nos entregamos a ela.

O que há de mais doloroso no sonho é não existir. Realmente, não se pode sonhar.

O que é possuir? Nós não o sabemos. Como querer então poder possuir qualquer coisa? Direis que não sabemos o que é a vida, e vivemos... Mas nós vivemos realmente? Viver sem saber o que é a vida será viver?


Título: LAGOA DA POSSE | A posse é para meu pensar uma lagoa absurda
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 492-a
Página: 442
Nota: [9-47 e 5-5 ms.];