A mocidade é estúpida e cruel


A mocidade é estúpida e cruel; é por isso que, como os animais, é normal e feliz. Não pode ser inteligente, porque não tem experiência por falta de idade, nem cultura por falta de paciência; não pode ser generosa, porque a generosidade é um produto da tolerância, e a tolerância é um produto não só da esperança, mas daquele seu resultado triste que é a descrença. (Não há tolerância antes dos quarenta anos.)

As ideias dos jovens são estultas e fanáticas. São estultas pela inexperiência, fanáticas pela impulsividade na entrega. [...].

Não se pode ter experiência antes dos trinta anos, não se pode ser tolerante senão mais tarde ainda. A verdadeira visão da vida vem só quando é tarde já para que nos sirva: na velhice, em que a vontade é débil.

Quando há fé, quando há regras, quando há vida, não há tolerância. Na sua perpétua intolerância consiste, creio, o segredo da perpétua juventude da Igreja de Roma.

A democracia é poesia poesia pastoril. Os poetas pastoris cantam pastores de Watteau. Os poetas democráticos cantam pastores de Rousseau.

A tolerância é filha da falta de fé. Crer é não distinguir.


Título: A mocidade é estúpida e cruel
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 658
Página: 536
Nota: [138A-59, 59a, 58 e 58a, ms.];
Nota: Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego". Texto retirado do corpus na edição de 2013.