Prefacio ás Ficcões do Interludio


Prefacio ás F[icções] do I[nterludio].

Referem os astrologos os effeitos em todas as cousas á operação de quatro elementos — o fogo, a agua, o ar e a terra. Com este sentido poderemos comprehender a operação das influencias. Uns agem sobre os homens como a terra, soterrando-os e abolindo-os, e esses são os mandantes do mundo. Uns agem sobre os homens como o ar, involvendo-os e escondendo-os uns dos outros, e esses são os mandantes do além-mundo. Uns agem sobre os homens como a agua, que os ensopa e converte em sua mesma substancia, e esses são os ideologos e os philosophos, que di[s]persam pelos outros as energias da propria alma. Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nelles todo o accidental, e os deixa nús e reaes, proprios e veridicos, e esses são os libertadores. Caeiro é d'essa raça. Caeiro teve essa força. Que importa que Caeiro seja de mim, se assim é Caeiro?

Assim, operando sobre Reis, que ainda não havia escripto alguma cousa, fez nascer nelle uma fórma propria e uma pessoa esthetica. Assim, operando sobre Campos, o alargou dentro de si, como se lhe quebrasse diques. Assim, operando sobre mim mesmo, me livrou de sombras e farrapos, me deu mais inspiração á inspiração e mais alma á alma. Depois d'isto, assim prodigiosamente conseguido, quem perguntará se Caeiro existiu?

Centro não só da minha alma, mas da alma do velho mundo resurrecto.


Título: Prefacio ás Ficcões do Interludio
Heterónimo: Não atribuído
Número: 460
Página: 454
Data: 1916 (low)
Nota: [20-78r];
Nota: Jerónimo Pizarro edita este texto em apêndice, no conjunto intitulado "Ficções do Interludio" (2010: 454-459).