MANEIRA DE BEM SONHAR | Adia tudo


Adia tudo. Nunca se deve fazer hoje o que se pode deixar para amanhã.

Nem mesmo é necessário que se faça qualquer coisa, amanhã ou hoje.

Nunca penses no que vais fazer. Não o faças.

Vive a tua vida. Não sejas vivido por ela.

Na verdade, e no erro, na dor e no bem-estar, sê o teu próprio ser. Só poderás fazer isso sonhando, porque a tua vida real, a tua vida humana é aquela que não é tua, mas dos outros. Assim, substituirás o sonho à vida e cuidarás apenas em que sonhes com perfeição. Em todos os teus actos da vida real, desde o de nascer até ao de morrer, tu não ages: és agido; tu não vives: és vivido apenas.

Despreza tudo, mas de modo que o desprezar te não incomode. Não te julgues superior ao desprezares. A arte do desprezo nobre está nisso.

Torna-te para os outros uma esfinge absurda. Fecha-te, mas sem bater com a porta, na tua torre de marfim. E a tua torre de marfim és tu próprio.

E se alguém te disser que isto é falso e absurdo, não o acredites. Mas não acredites também no que eu te digo, porque se não deve acreditar em nada.


Título: MANEIRA DE BEM SONHAR | Adia tudo
Heterónimo: Vicente Guedes
Número: 76
Página: 98
Nota: [5-5, ms.];Teresa Sobral Cunha edita este texto como parte da sequência 'MANEIRA DE BEM SONHAR' (2008: 96-98).;