Edição do Arquivo LdoD - Usa (BNP/E3, 14A-39)

Acceitar a vida por boa


Acceitar a vida por boa, por se suppor não haver
outra nem melhor, não é, porém, a applicação
de um ideal, senão a abdicação de qualquer
ideal. Porisso os cantores da vida, vida, vida Vida
não conseguiram senão uma arte essencial-
mente frustre.

O Inferno [,] segundo o Evangelho (por uma errada interpretação
do grande livro dos judeus)
, é a morte da alma,
não o seu penar eterno castigo sem fim.


Para contemplar sorrindo a vida em seu
vario curso é preciso, contudo, uma
grande seccura da sensibilidade. Tal foi,
patentemente, o caso de Anatole France.
Considerar o bello e o que não é bello, o
nobre e o vil com a mesma in-
differença vidente — quem, que deveras
sinta, o poderá fazer? Aquelle para
quem um poente e um crime são
phenomenos egualmente indifferentes, parallela-
mente objectivos, converte-se no mero
espelho que afinal nascera — claro,
exacto frio, frio morto, um automatismo da
sensação.

          ──────────

"Cançamo-nos de tudo, excepto de com-
prehender", disse o scholiasta de Virgílio. E
porque não tambem de comprehender, se verdadeiramente não compre-
hendemos nada?          ? O que é que comprehendemos, se pensamos?
Na verdade, não comprehendemos nada.
Ha, porém, nesta attitude, não só uma seccura
de sensibilidade, senão tambem uma estreiteza de in-
telligencia. Todas as coisas se vêem num
exemplo moderno de estudo critico — A. France.