Tenho dó dos pobres


Tenho dó dos pobres. E tambem tenho
dó dos ricos. Tenho mais dó dos ricos, por-
que são mais infelizes. Quem é pobre pode
julgar que, se deixasse de o ser, seria
feliz. Quem é rico sabe que não há maneira
de ser feliz.

Quem é pobre tem uma só preoccupação,
ou uma só preoccupação principal — a pobre-
za. Quem é rico, como infelizmente não tem
essa, tem que ter todas as outras. Nunca
vi homem rico mais feliz que um pobre; a
não ser que por felicidade se entenda a-
quillo que se pode comprar no alfaiate e
no ourives, e comer-se num restaurante.
Mas até este ponto de materialismo histo-
rico não creio que vão os mesmos........

Os pobres são felizes: teem uma il-
lusão — crêem que o alfaiate, o ourives, o
dono do restaurante caro são os dispensa-
dores da felicidade. Crêem nisso. Os
ricos são os atheus do alfaiate.


Identificação: bn-acpc-e-e3-133c-1-100_0177_86-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (19.3cm X 13.8cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Datiloscrito (violet-ink) : Testemunho datiloscrito a tinta roxa, com revisões a lápis.
Nota: , Texto escrito no recto de meia folha. Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego". Texto retirado do corpus na edição de 2013.
Fac-símiles: BNP/E3, 133C-86r.1