A metafísica pareceu-me sempre



A metafísica pareceu-me sempre uma forma prolongada da loucura latente. Se conhecêssemos a verdade, vê-la-íamos; tudo o mais é sistema e arredores. Baste-nos, se pensarmos, a incompreensibilidade do universo; querer compreendê-lo é ser menos que homens, porque ser homem é saber que se não compreende.

Trazem-me a fé como um embrulho fechado numa salva alheia. Querem que o aceite para que o não abra. Trazem-me a ciência, como uma faca num prato, com que abrirei as folhas de um livro de páginas brancas. Trazem-me a dúvida, como pó dentro de uma caixa; mas para que me trazem a caixa se ela não tem senão pó?

Na falta de saber, escrevo; e uso os grandes termos da Verdade conforme as exigências da emoção. Se a emoção é clara e fatal, falo, naturalmente, dos deuses, e assim a enquadro numa consciência do mundo múltiplo. Se a emoção é profunda, falo, naturalmente, de Deus, e assim a engasto numa consciência una. Se a emoção é um pensamento, falo, naturalmente, do Destino, e assim a encosto à parede.

Umas vezes o próprio ritmo da frase exigirá Deus e não Deuses; outras vezes, impor-se-ão as duas sílabas de Deuses, e mudo verbalmente de universo; outras vezes pesarão, ao contrário, as necessidades de uma rima íntima, um deslocamento do ritmo, um sobressalto de emoção, e o politeísmo ou o monoteísmo amolda-se e prefere-se. Os Deuses são uma função do estilo.