E, hoje, pensando no que tem sido



5-4-1930 E, hoje, pensando no que tem sido a minha vida, sinto-me qualquer bicho vivo, transportado num cesto de encurvar o braço, entre duas estações suburbanas. A imagem é estúpida, porém a vida que defeni é mais estúpida ainda do que ela.

Esses cestos costumam ter duas tampas, como meias ovais, que se levantam um pouco em um ou outro dos extremos curvos se o bicho estrebucha. Mas o braço de quem transporta, apoiado um pouco ao longo dos dobramentos centrais, não deixa coisa tão débil erguer frustemente mais que as extremidades inúteis, como azas de borboleta que enfraquecem.

Esqueci-me que falava de mim com a descrição do cesto. Vejo-o nitidamente, e ao braço gordo e branco queimado de criada que o transporta. Não consigo ver a criada para além do braço e a sua penugem. Não consigo sentir-me bem senão — de repente — numa grande frescura de (...) daqueles varais brancos e nastros de (...) com que se tecem os cestos e onde estrebucho, bicho, entre duas paragens que sinto.

Entre elas repouso no que parece ser um banco, e falam lá fora do meu cesto. Durmo porque sossego, até que me ergam de novo na paragem.