Quando, como uma noite



L. do D.

(prefacio)

Quando, como uma noite de tempestade a que o dia se segue, o christianismo passou de sobre as almas, viu-se o estrago que, invisivelmente, havia causado; a ruina, que causára, só se viu quando elle passára já. Julgaram uns que era por sua falta que essa ruina viera; mas fora pela sua ida que a ruina se mostrára, não que se causára.

Ficou então, neste mundo de almas, a ruina visivel, a desgraça patente, sem a treva que a cobrisse do seu carinho falso. /As almas viram-se taes quaes eram./

Começou, então, nas almas recentes aquella doença a que se chamou romantismo, aquelle christianismo sem illusões, aquelle christianismo sem mythos, que é a propria seccura da sua essencia doentia.

O mal todo do romantismo é a confusão entre o que nos é preciso, e o que desejamos. Todos nós precisamos das cousas indispensaveis á vida, á sua conservação e ao seu continuamento; todos nós desejamos uma vida mais perfeita, uma felicidade completa, a realidade dos nossos sonhos e ☐

É humano querer o que nos é preciso, e é humano desejar o que não nos é preciso, mas é para nós desejavel. O que é doença é desejar com egual intensidade o que é preciso e o que é desejavel, e soffrer por não ser perfeito como se soffresse por não ter pão. O mal romantico é este: é querer a lua como se houvesse maneira de a obter.

"Não se pode comer um bolo sem o perder."

Na esphera /baixa/ da politica, como no intimo recinto das almas — o mesmo mal.

O pagão desconhecia, no mundo real, este sentido doente das cousas e de si-mesmo. Como era homem, desejava tambem o impossivel; mas não o queria. A sua religião era ☐ e só nos penetraes do mysterio, aos iniciados apenas, longe do povo e dos ☐, eram ensinadas aquellas cousas transcendentes das religiões que enchem a alma do vacuo do mundo.