O desgosto de não encontrar nada



O desgosto de não encontrar nada encontrou comigo pouco a pouco. Não achei razão nem logica senão a um scepticismo que nem sequér buscava uma logica para se defender. Em curar-me d'isto não pensei — por que me havia eu de curar d'isso? E o que era ser são? Que certeza tinha eu que esse estado de alma deva pertencer á doença? Quem nos affirma que, a ser doença, a doença não era mais desejavel, ou mais logica, ou mais ☐, do que a saúde? A ser a saude preferivel, porque era eu doente, se não por naturalmente o ser, e se naturalmente o era, porque ir contra a Natureza, que para algum fim, se fim ela tem, me quereria decerto doente?

Nunca encontrei argumentos senão para a inercia. Dia a dia mais e mais se infiltrava em mim a consciencia sombria da m[inha] inercia de abdicador. Procurar modos de inercia, apostar-me a fugir a todo o esforço quanto a viver, a toda a responsabilidade social — talhei n'essa materia de ☐ a estatua pensada da minha existencia.

Deixei leituras, abandonei casuaes caprichos de este ou aquelle modo esthetico da vida. Do pouco que lia aprendi a extrahir só elementos para o sonho. Do pouco que presenciava, apliquei-me a tirar apenas o que se podia, em reflexo /distante/ e errado, prolongar mais dentro de mim. /Esforcei-me/ porque todos os meus pensamentos, todos os capitulos quotidianos da m[inha] experiencia me fornecessem apenas sensações. Criei á m[inha] vida uma orientação esthetica. E orientei essa esthetica para puramente individual. Fil-a minha apenas.

Apliquei-me depois, no decurso procurado do meu hedonismo interior, a furtar-me ás sensibilidades sociaes. Lentamente me couracei contra o sentimento do ridiculo. Ensinei-me a ser insensivel quer para os apelos dos instinctos quer para as solicitações de ☐.

Reduzi ao minimo o meu contacto com os outros. Fiz o que pude para perder toda a affeição á vida, á ☐. Do proprio desejo da gloria lentamente me despi, como quem cheio de cansaço se despe para repousar.