A vida faz de nós sempre


A vida faz de nós sempre aquillo
que nós não queremos. Todos os
destinos são absurdos — e sahem
todos certos no fim. Porisso
o maior dos horrores é poder
vêr o nosso proprio futuro. [ileg.]
[ileg.]

Sim... O futuro, bom ou mau,
é sempre horrivel porque é sempre
disforme. Não se ajusta
nunca á nossa personalidade...

A um, que se deleita sobre-
tudo com a quietação, dá o
destino, tantas vezes, as viagens
como linha de vida; a outro,
que só anceia as distancias, prende-o
a sorte eternamente aos quatros
muros da sua casa e ás
sete ruas da sua villa. E
no fim, olhando para traz, tudo
é como devia ser, porque não podia
ser de outra maneira. Só olhando


para traz é que se encontra
logica nas cousas.

Mais valera uma arvore
num campo novo que a sua sombra
absolutamente amoral e
anti-metaphysica... Um dia
de sol, uma hora de sesta,
o verde das folhas — quanto tudo
isto cura, quando o sentimos
da indole interrogativa do
homem! Sim, mais nos valera
uma calma certa, um tronco
rugoso na superficie da alma...
qualquer cousa que obrigasse o tempo
a não se deixar sentir um

Eu sou um excitado pela
interrogação do futuro.
Consulto tudo para saber o
que serei, mas, afinal, a unica
cousa que colho de agradavel é
não saber ao certo se serei vivo
por um[ileg.].


Identificação: bn-acpc-e-e3-138a-1-82_0079_40-R0150 | bn-acpc-e-e3-138a-1-82_0080_40v-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (17.1cm X 11.5cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Nota: , Texto escrito em recto e verso de uma folha inteira. Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego".
Fac-símiles: BNP/E3, 138A-40.1 , BNP/E3, 138A-40.2