Para mim, se considero, pestes, tormentas, guerras são produtos da mesma força cega, operando uma vez através de micróbios inconscientes, outra vez através de raios e águas inconscientes, outra vez através de homens inconscientes. Um terramoto e um massacre não têm para mim diferença senão a que há entre assassinar com uma faca e assassinar com um punhal. O monstro imanente nas coisas tanto se serve — para o seu bem ou o seu mal, que, ao que parece, lhe são indiferentes — da deslocação de um pedregulho na altura ou da deslocação do ciúme ou da cobiça num coração. O pedregulho cai, e mata um homem; a cobiça ou o ciúme armam um braço, e o braço mata um homem. Assim é o mundo, monturo de forças instintivas, que todavia brilha ao sol com tons palhetados de ouro claro e escuro.
Para fazer face à brutalidade de indiferença, que constitui o fundo visível das coisas, descobriram os místicos que o melhor era repudiar. Negar o mundo, virar-se dele como de um pântano a cuja beira nos encontrássemos.
Negar como o Buda, negando-lhe a realidade absoluta; negar
como o Christo, negando-lhe a realidade relativa; negar (...)
Não pedi à vida senão que ela me não pedisse nada.
À porta da cabana que não tive sentei-me ao sol que nunca houve, e gozei a velhice futura com o prazer de a não ter ainda. Não ter morrido ainda basta para os pobres da vida, e ter ainda a esperança para (...) contente com o sonho só quando não estou sonhando, contente com o mundo só quando sonho longe dele. Pêndulo oscilante, sempre movendo-se para não chegar, indo só para voltar, preso eternamente à dupla fatalidade de um centro e de um movimento inútil.