Codificação de Texto

 

1. A norma XML-TEI

Todas as transcrições do Arquivo LdoD estão codificadas de acordo com as TEI Guidelines (Text Encoding and Interchange). Estas diretrizes designam uma norma de codificação de textos desenvolvida desde 1988 por um consórcio de instituições — o Text Encoding Initiative Consortium. A norma TEI define um conjunto vasto de elementos e atributos na linguagem XML (Extensible Markup Language) que permitem representar caraterísticas estruturais, concetuais e de visualização dos textos. Tendo em conta que o formato XML é uma linguagem de codificação de textos legível por máquinas e por humanos, a norma TEI pode ser descrita como um método de análise textual para processamento digital. Tira partido da interoperabilidade do formato XML de modo a descrever detalhadamente factos e eventos textuais, através de uma sintaxe e semântica específicas. Trata-se de uma convenção muito poderosa, composta por módulos de codificação para todos os tipos de problemas de representação de estruturas e formas textuais — desde os primórdios da escrita até aos documentos eletrónicos atuais. A versão atual das Guidelines for Electronic Text Encoding and Interchange (TEI P5) foi publicada em novembro de 2007 e continua a ser atualizada periodicamente. No momento em que escrevemos, a última atualização foi realizada em julho de 2017 (versão 3.2.0).

 

2. XML-TEI aplicado ao Livro do Desassossego

No caso do Arquivo LdoD, o esquema de codificação desenvolvido implicou a adoção do método de segmentação paralela e a criação de um aparato crítico que trata todas as transcrições como variações textuais. Deste modo, é possível comparar automaticamente entre si não apenas variações que ocorrem nos testemunhos, mas também variações que ocorrem entre as transcrições de um testemunho nas diferentes edições. Embora os testemunhos estejam marcados enquanto tal, todas variações (sejam dos originais, sejam das edições) são processadas num mesmo plano. Ao nível da codificação textual, esta decisão exprime o princípio teórico que subjaz ao Arquivo LdoD: o de mostrar o Livro do Desassossego como projeto autoral e como projeto editorial, tornando possível observar a transformação do arquivo em edições como um processo dinâmico de geração de variações textuais.

A matriz de codificação XML-TEI permite compreender aquilo que no nosso modelo de virtualização do Livro do Desassossego descrevemos como a dimensão genética, isto é, o processo de inscrição autoral (escrita e reescrita), e aquilo que designámos como a dimensão social, isto é, o processo histórico de reinscrição editorial e socialização dos textos (edição e reedição) sob formas editoriais e bibliográficas específicas (Portela e Silva, 2014). Por seu turno, a dimensão virtual (que é uma designação da socialização textual do Livro do Desassossego no contexto específico do Arquivo LdoD) consiste na possibilidade de construir edições virtuais através da combinação das unidades textuais definidas pelas interpretações autorais e/ou pelas interpretações editoriais (herdando portanto a estrutura XML-TEI dessas unidades). O dinamismo do Arquivo LdoD depende da modularização produzida pelo seu modelo de dados, mas também da versatilidade na comparação de transcrições garantida pelo seu modelo de codificação textual.

Deste modo, a codificação XML-TEI é usada simultaneamente no seu potencial representacional — isto é, na possibilidade de descrição granular de eventos específicos na superfície de inscrição — e no seu potencial relacional — isto é, na possibilidade de leitura instantânea de micro e macro-variações a diferentes escalas textuais dentro do corpus. É como se todas as transcrições de todos os testemunhos e edições fizessem parte de uma única árvore, tornando palavras, sinais de pontuação, espaços, divisões de parágrafo e divisões de texto comparáveis entre si. A exaustividade e complexidade da codificação das variações permite transitar recursivamente entre três escalas: escala do carater, do sinal de pontuação e do espaço em branco como unidades mínimas de inscrição; escala da palavra, da frase, do parágrafo e do bloco textual como unidades semânticas; e escala da sequência ordenada de textos e do livro enquanto instanciação discursiva e material de uma certa ideia da obra.

 

3. Critérios de codificação

A equipa do Arquivo LdoD definiu um conjunto de critérios de codificação dos diversos atos de inscrição autoral e editorial. Estes critérios foram, por vezes, condicionados pela necessidade de simplificar o processamento e a visualização das marcações. Esta secção explica as principais opções tomadas para garantir o equilíbrio entre o rigor textual e semântico da marcação, por um lado, e a legibilidade da visualização da camada genética e das comparações entre transcrições, por outro. Ainda que haja uma componente mimética topográfica nas marcações dos testemunhos, ela está subordinada ao modelo abstrato de dados cuja função principal é garantir a comparabilidade das transcrições e ordenações dos documentos em cada edição. O objetivo principal não é imitar os documentos mas modelá-los para efeitos de processamento.

Codificação de espaços e de traços de divisão
Os espaços entre parágrafos, entre título e texto, e entre blocos de texto foram marcados nas suas proporções relativas, quer no que diz respeito aos testemunhos, quer no que diz respeito às edições. Em vez de uma indentação da primeira linha do parágrafo, optámos por um espaço de intervalo entre todos os parágrafos, com o objetivo de melhorar a legibilidade das transcrições na leitura em ecrã. Todos os outros espaços correspondem a espaços que constam dos testemunhos e das edições. Todos os traços de divisão correspondem também a traços que constam dos testemunhos e das edições. Espaços e traços são elementos importantes na articulação das divisões internas e externas de cada texto.

Codificação de apagados
A marcação de texto cancelado (<del>) foi feita com os valores “overstrike” e “overtyped”. Ambos são visualizados através de um traço sobre a palavra apagada.

Codificação de inseridos
A marcação dos inseridos (<add>) foi feita com os valores “below”, “above”, “inline”, “top”, “bottom” e “margin”, que definem a posição (<place>) do acrescento relativamente ao segmento de texto a que se aplica ou ao lugar em que surge na página. O valor “margin” foi geralmente reservado para texto acrescentado nas margens, mas não para texto que continua nas margens, como frequentemente acontece. Nestes casos a mudança de lugar do texto na página é assinalada apenas por quebra de linha ou por quebra de linha e um espaço.

Codificação de substituições
A codificação de substituições (<subst>) implica a marcação de um elemento apagado (<del>) e de um elemento acrescentado (<add>). A visualização simples da transcrição do testemunho pode, por vezes, sugerir que dado elemento é um acrescento, uma vez que é antecedido pelo sinal ∧, usado para assinalar os inseridos. Nesses casos, a ambiguidade pode ser clarificada se se selecionarem, em simultâneo, as caixas “mostrar apagados”, “realçar inseridos” e “realçar substituições”. No segundo parágrafo do testemunho BNP/E3 1-50r, por exemplo, a interface mostra um acrescento (dean- teira ∧d'ella) quando o testemunho tem apenas o cancelamento da terminação plural (dean- teira d’ellas). Neste caso, a opção de marcação implicou explicitar a substituição de “d’ellas” por “d’ella” (como se houvesse, de facto, um acrescento), uma vez que é essa a implicação semântica do cancelamento. Esta regra de marcação foi aplicada a todas as ocorrências em que o cancelamento de uma parte da palavra a transforma noutra palavra — por exemplo, um número plural num número singular ou um género masculino num género feminino. Embora não haja um acrescento, a alteração está gráfica e semanticamente marcada como se houvesse. A desambiguação destas opções de codificação implica assinalar, em simultâneo, as caixas “mostrar apagados”, “realçar inseridos” e “mostrar substituições”, assim como a colação com o fac-símile digital. Esta opção foi tomada por motivos de visualização, uma vez que a marcação de letras isoladas resultaria na apresentação de um espaço antes e depois da letra, prejudicando a legibilidade. As opções “mostrar apagados” e “realçar inseridos” não foram sincronizadas (o que ajudaria a esclarecer aquela ambiguidade) pois a sua aplicação separada permite observar mais claramente os vários lugares de revisão.

Codificação de variantes
A marcação das variantes é visualizada através da presença simultânea das alternativas numa cor diferente da do resto do texto. Além disso, quando se passa sobre cada variante, surge o valor de probabilidade que lhe está associado, que resulta da divisão da unidade pelo número de variantes textuais. No primeiro parágrafo do testemunho BNP/E3 1-50r, por exemplo, a interface mostra as variantes “rancor” e “torpor” com uma probabilidade de serem excluídas de 0.5 cada uma (“excl 0.5”). Quando há três variantes, a distribuição é geralmente uma combinação de 0.3, 0.3 e 0.4. No entanto, há casos em que a necessidade de combinar a marcação topográfica com a marcação de variantes implicou a utilização de mais valores do que o número de variantes efetivas, uma vez que as quebras de linha não podem ser marcadas dentro dos valores de probabilidade e é necessário voltar a marcar a variante como variante depois de cada quebra de linha. Nestes casos, o valor da probabilidade indicado é arbitrário e deve ser ajustado de modo a refletir o número de variantes e não o número de quebras de linha, como acontece. Trata-se de uma situação que decorre da impossibilidade de encaixar aquelas duas hierarquias de marcação.

Codificação de variações
A codificação adotada permite ainda observar todas as variações existentes entre as interpretações, ou seja, permite comparar a nova transcrição dos testemunhos com a transcrição Prado Coelho-1982 com a transcrição Sobral Cunha-2008 com a transcrição Zenith-2012 com a transcrição Pizarro-2010 para cada fragmento do Livro do Desassossego. O aparato crítico (<app>) destas variações foi classificado de acordo com cinco tipologias (<type>): “orthographic” para identificar variações ortográficas; “punctuation” para assinalar variações de pontuação; “paragraph” para marcar variações na divisão de parágrafos; “style” para identificar variações de estilo tipográfico (por exemplo, uso de itálicos ou de maiúsculas); e “substantive” para indicar diferenças na palavra transcrita (por exemplo, quando os peritos optam por variantes divergentes ou leem de forma diferente determinado passo). As variações marcadas (que dizem respeito às diferenças existentes no conjunto de todas as interpretações de um dado fragmento) são visualizáveis quer através do realce de cor, quer através da tabela de variações relativa a cada comparação.

 

4. Informação adicional

Quem estiver interessado numa descrição detalhada das opções de codificação pode consultar a matriz de um ficheiro XML comentado AQUI. Sugere-se ainda a leitura do artigo seguinte: António Rito Silva e Manuel Portela, “TEI4LdoD: Textual Encoding and Social Editing in Web 2.0 Environments.” Journal of the Text Encoding Initiative 8 (2014-2015).

 

[atualizado 08-09-2017]




O Arquivo LdoD foi desenvolvido no âmbito do projeto de investigação “Nenhum Problema Tem Solução: Um Arquivo Digital do Livro do Desassossego” (PTDC/CLE-LLI/118713/2010) do Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de Coimbra (CLP). Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e cofinanciado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), através do Eixo I do Programa Operacional Fatores de Competitividade (POFC) do Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN)—União Europeia (COMPETE: FCOMP-01-0124-FEDER-019715). Financiado ainda por Fundos Nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos de “Financiamento Plurianual —Unidade 759”: “PEst-OE/ELT/UI00759/2013” e “PEst-OE/ELT/UI0759/2014”.