É nobre ser timido


L. do Desasos.

É nobre ser timido, ilustre não saber agir, grande não ter geito para viver.

Só o Tedio, que é um afastamento, e a Arte, que é um desdem, douram de uma semelhança de contentamento a n[ossa] ☐

Fogos fatuos que a n[ossa] podridão expira são ao menos luz nas nossas trevas.

Só a infelicidade eleva — e o tedio, que da infelicidade curtimos, é heraldico como o ser descendente de heroes próximos ☐

Sou um poço de gestos que nem em mim se esboçaram todos, de palavras que nem pensei pondo curvas nos meus lábios, de sonhos que me esqueci de sonhar até ao fim.

Sou ruinas de edificios que nunca fôram mais do que essas ruinas, que alguem se fartou, em meio de construil-as, de pensar em querer construir.

Não nos esqueçamos de odiar os que gosam porque gosam, de desprezar os que são alegres, por não sabermos ser, nós, alegres como elles... Esse desdem falso, esse odio fraco não é senão o pedestal tosco e sujo da terra em que se finca [,] sobre o qual, altiva e unica, a estatua do nosso Tedio se ergue, escuro vulto em cuja face um sorriso impenetravel nimba, ergue, negramente de segredo.

Benditos os que não confiam a vida a ninguem.


Título: É nobre ser timido
Heterónimo: Não atribuído
Número: 12
Página: 21
Data: 1913 (low)
Nota: [9-25r];