Ha um somno da attenção



L. do D.

Ha um somno da attenção voluntaria, que não sei explicar, e que frequentemente me attaca, se de coisa tam esbatida se pode dizer que attaca alguem. Sigo por uma rua como quem está sentado, e a minha attenção, disperta a tudo, tem todavia a inercia de um repouso do corpo inteiro. Não seria capaz de me desviar conscientemente de um transeunte opposto. Não seria capaz de responder com palavras, ou sequer, dentro em mim, com pensamentos, a uma pergunta de qualquer casual que fizesse escala pela minha casualidade coincidente. Não seria capaz de ter um desejo, uma esperança, uma coisa qualquer que representasse um movimento, não já da vontade do meu ser completo, mas até, se assim posso dizer, da vontade parcial e propria de cada elemento em que sou descomponivel. Não seria capaz de pensar, de sentir, de querer. E ando, sigo, vagueio. Nada nos meus movimentos (reparo por o que os outros não reparam) transfere para o observavel o estado de estagnação em que vou. E este estado de falta de alma, que seria commodo, porque certo, num deitado ou num recumbente, é singularmente incommodo, doloroso até, num homem que vae andando pela rua.

É a sensação de uma ebriedade de inercia, de uma bebedeira sem alegria, nem nella, nem na origem. É uma doença que não tem sonho de convalescer. É uma morte alacre.