Deus creou-me para creança
L. do D.
Deus creou-me para creança, e deixou-me sempre creança. Mas porque deixou que a Vida me batesse e me tirasse os brinquedos, e me deixasse só no recreio, amarrotando com mãos tam fracas o bibe azul sujo de lagrimas compridas? Se eu não poderia viver senão acarinhado, porque deitaram ao lixo o meu carinho? Ah, cada vez que vejo nas ruas uma creança a chorar, uma creança exilada dos outros, doe-me mais que a tristeza da creança o horror desprevenido do meu coração exhausto. Doo-me com toda a estatura da vida sentida, e são minhas as mãos que torcem o canto do bibe, são minhas as boccas tortas das lagrimas verdadeiras, é minha a fraqueza, é minha a solidão, e os risos da vida adulta que passa lesam-me como luzes de fosforos riscados no rugoso sensivel do meu coração.