A Morte do Principe
Porque não será tudo uma verdade inteiramente differente, sem deuses, nem homens, nem razões? Porque não será tudo qualquer cousa que não podemos sequer conceber que não concebemos — um mysterio de outro mundo inteiramente? Porque não seremos nós — homens, deuses, e mundo — sonhos que alguem sonha, pensamentos que alguem pensa, postos fóra sempre do que existe? E porque não será esse alguem que sonha ou pensa alguem que nem sonha nem pensa, subdito elle-mesmo do abysmo e da ficção? Porque não será tudo outra-cousa, e cousa nenhuma, e o que não é a unica cousa que existe? Em que parte estou que vejo isto como cousa que pode ser? Em que ponte passo que por baixo de mim, que estou tam alto, estão as luzes de todas as cidades do mundo e do outro mundo, e as nuvens das verdades desfeitas que pairam acima e ellas todas buscam, como se buscassem o que se pode cingir?
Tenho febre sem somno, e estou vendo sem saber o que vejo. Ha grandes planicies tudo à roda, e rios ao longe, e montanhas... Mas ao mesmo tempo não ha nada d'isto, e estou com o principio dos deuses e com um grande horror de partir ou de ficar, e de onde estar e de o que ser. E tambem este quarto onde te ouço olhar-me é uma coisa que conheço e como que vejo; e todas estas coisas estão juntas, e estão separadas, e nenhuma d'ellas é o que é outra cousa que estou a ver se vejo.
Para que me deram um reino que ter se não terei melhor reino que esta hora em que estou entre o que não fui e o que não serei?