CONSELHOS ÀS MAL-CASADAS | Livrai-vos sobretudo de cultivar



CONSELHOS ÀS MAL-CASADAS

Livrai-nos sobretudo de cultivar os sentimentos humanitários. O humanitarismo é uma grosseria.

Escrevo a frio, raciocinadamente, pensando em vosso bem-estar, pobres mal-casadas. As mal-casadas são todas as mulheres casadas, e algumas solteiras.

A arte toda, toda a libertação, está em submeter o espírito o menos possível, deixando ao corpo que se submeta à vontade.

Ser imoral não vale a pena, porque diminui, aos olhos dos outros a vossa personalidade, ou banaliza. Ser imoral dentro de si, cercada do máximo respeito alheio. Ser esposa e mãe corporeamente virginal e dedicada, e ter, porém contactos sensuais inexplicáveis com todos os homens da vizinhança, desde os merceeiros até (...) — eis o que maior sabor tem a quem realmente quer gozar e alargar a sua individualidade, sem descer ao método da criada de servir, que, por ser também delas, é baixo, nem cair na honestidade rigorosa da mulher profundamente estúpida, que é decerto filha do interesse.

Segundo a vossa superioridade, almas femininas que me ledes, sabereis compreender o que escrevo. Todo o prazer é do cérebro, todos os crimes, que se dão, é só em sonhos que se cometem! Lembremo-nos de um crime belo, real. Não o houve nunca. São belos os que nós não sonhamos. Bórgia cometeu belos crimes? Acreditai-me que não cometeu. Quem os cometeu belíssimos, profusos, frutuosos foi o nosso sonho de Bórgia, foi a ideia de Bórgia que há em nós. Tenho a certeza que o César Bórgia que existiu era um banal e um estúpido, tinha de o ser porque existir é sempre estúpido e banal.

Dou-vos estes conselhos desinteressadamente, aplicando o meu método a um caso que me não interessa. Pessoalmente, os meus sonhos são de império e glória; não são sensuais de modo algum. Mas quero ser-vos útil, ainda que mais não seja, só para me arreliar, porque detesto o útil. Sou altruísta a meu modo.