Uma secção intitulada: Paciencias



L. do D.

Uma secção intitulada: Paciencias
(inclue Na Fl[oresta] do Alh[eamento]?)
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As miserias de um homem que sente o tedio da vida do terraço da sua villa rica são uma cousa; são outra cousa as miserias de quem, como eu, tem que contemplar a paysagem do meu quarto num 4.º andar da Baixa, e sem poder esquecer que é ajudante de guarda-livros. "Tout notaire a rêvé des sultanes".....

Tenho um prazer intimo, da ironia do ridiculo immerecido, quando, sem que alguem extranhe, declaro, nos actos officiaes, em que é preciso dizer a profissão: empregado no commercio. Não sei como inserto o meu nome vem assim no Annuario Commercial.

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Epigraphe ao Diario:
Guedes (Vicente), emp. no comm., Rua dos Retrozeiros, 17.4.º
ANN. COMM. de Portugal.
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A mania do absurdo e do paradoxo é a alegria animal dos tristes. Como o homem normal diz disparates por vitalidade, e por sangue dá palmadas nas costas de outros, os incapazes de enthusiasmo e de alegria dão cambalhotas na intelligencia e, a seu /frio/ modo, fazem os gestos /quentes/ da vida.
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Paciências

As tias velhas dos que as tiveram, nos serões a pretroleo das casas vagas na provincia, entretinham a hora em que a creada dorme ao som crescente da chaleira com a saudade a saudade methodica e reflectida a fazer paciencias com cartas. Tem saudades em mim d'esse sossego inutil alguem que se colloca no meu logar. Vem o chá e o baralho velho amontoa-se regular ao canto da meza. O guarda-louça enorme escurece a sombra, na sala de jantar apenumbrada. Sua de somno a cara da creada apressada lentamente por acabar. Vejo isso tudo em mim com uma angustia e uma saudade independentes de ter relação com qualquer cousa. E, sem querer, ponho-me a considerar qual é o stado de espirito de quem faz paciencias com cartas.