INTERVALO (Antefalhei a vida)
Antefalhei a vida, porque nem sonhando-a ela me apareceu deleitosa. Chegou até mim o cansaço dos sonhos... Tive, ao senti-lo, uma sensação extrema e falsa, como a de ter chegado ao término de uma estrada infinita. Transbordei de mim não sei para onde, e aí fiquei estagnado e inútil. Sou qualquer coisa que fui. Não me encontro onde me sinto, e se me procuro, não sei quem é que me procura. Um tédio a tudo amolece-me. Sinto-me expulso da minha alma.
Assisto a mim. Presenceio-me. As minhas sensações passam diante de não sei que olhar meu como coisas externas. Aborreço-me de mim em tudo. Todas as coisas são, até às suas raízes de mistério, da cor do meu tédio.
Estavam já murchas as flores que as Horas me entregaram... A minha única acção possível é i-las desfolhando lentamente. E isso é tão complexo de envelhecido.
A mínima acção é-me impossível como um acto heróico. O mais pequeno gesto pesa-me no ideá-lo, como se houvesse de ser uma coisa que eu realmente pensara em fazer.
Não aspiro a nada. Dói-me a vida. Estou mal onde estou e já mal onde penso em estar.
O ideal era não ter mais acção do que a acção falsa dum repuxo — subir para cair no mesmo sítio, brilho ao sol sem utilidade nenhuma a fazer som no silêncio da noite para que quem sonhe pense em rios no seu sonho e sorria esquecidamente.