Aceitar a vida por boa
Aceitar a vida por boa, por se supor não haver outra nem melhor, não é, porém, a aplicação de um ideal, senão a abdicação de qualquer ideal. Por isso os cantores da Vida, não conseguiram senão uma arte
essencialmente frustre.
O Inferno, segundo o Evangelho
(por uma errada interpretação do grande livro dos judeus),
é a morte da alma, não o seu castigo sem fim.
Para contemplar sorrindo a vida em seu vário curso é preciso, contudo, uma grande secura da sensibilidade. Tal foi, patentemente, o caso de Anatole France.
Considerar o belo e o que não é belo, o nobre e o vil com a mesma indiferença vidente —
quem, que deveras sinta, o poderá fazer? Aquele para quem um poente e um crime são fenómenos igualmente indiferentes, paralelamente objectivos, converte-se no mero espelho
que afinal nascera — claro, frio, morto, um automatismo da sensação.
"Cansamo-nos de tudo, excepto de compreender", disse o escoliasta de Virgílio. E porque não também de compreender, se verdadeiramente não compreendemos nada?
O que é que compreendemos, se pensamos? Na verdade, não compreendemos nada.
Há, porém, nesta /atitude/, não só uma secura de sensibilidade, senão também uma estreiteza de inteligência. Todas as coisas se vêem num exemplo moderno de estudo crítico — A. France.