L. do D.
 Não conheço prazer como o dos livros, e pouco
 leio. Os livros são apresentações aos sonhos, e não pre-
cisa de apresentações quem, com a facilidade da vida,
 entre em conversa com elles. Nunca pude ler um livro
 com entrega a elle; sempre, a cada passo, o commentario
 da intelligencia ou da imaginação, me estorvou a sequen-
cia da propria narrativa. No fim de minutos, quem escre-
via era eu, e o que estava escripto não estava em parte
 alguma. 
 As minhas leituras predilectas são a repetição
 de livros banaes que dormem commigo á minha cabeceira.
 Ha dois que me não deixam nunca — a Rethorica do Padre
 Figueiredo e as Reflexões sobre a Lingua Portugueza, do
 Padre Freire. Estes livros, releio-os sempre a bem; e,
 se é certo que já os li todos muitas vezes, também é
 certo que a nenhum d'elles li em sequencia. Devo a es-
ses livros uma disciplina que quasi creio impossivel em
 mim — uma regra do escrever objectivado, uma lei da ra-
zão de as coisas estarem escriptas. 
 O estylo affectado, claustral, fruste, do Padre
 Figueiredo é uma disciplina que faz as delicias do meu
 entendimento. A diffusão, quasi sempre sem disciplina,
 do Padre Freire, entretem o meu espirito sem o cansar, e
 educa-me sem me dar preoccupação. São espiritos de eru-
ditos e de socegados que fazem bem á minha nenhuma dispo-
sição para ser como elles, ou como qualquer outra pessoa. 
 Leio e abandono-me, não á leitura, mas a mim.
 Leio e adormeço, e é como entre sonhos que sigo a descrip-
ção das figuras de rethorica do Padre Figueiredo, e por
 bosques de maravilha que oiço o Padre Freire ensinar que
 se deve dizer Magdalena, pois Madanela só o diz o  ∧vulgo.