A maioria dos homens vive


A maioria dos homens vive com espontaneidade uma vida ficticia e alheia. A maioria da gente é outra gente, disse Oscar Wilde, e disse bem. Uns gastam a vida na busca de qualquer cousa que não querem; outros empregam-se na busca do que querem e lhes não serve; outros ainda se perdem (...)

Mas a maioria é feliz e gosa a vida sem isso valer. Em geral o homem chora pouco, e, quando se queixa, é a sua litteratura. O pessimismo tem pouca viabilidade como formula /democratica/. Os que choram o mal do mundo são isolados — não choram senão o proprio. Um Leopardi, um Anthero não têm amado ou amante? O universo é um mal. Um Vigny é mal ou pouco amado? O mundo é um cárcere. Um Chateaubriand sonha mais que o possivel? A vida humana é tedio. Um Job é coberto de bolhas? A terra está coberta de bolhas. Pisam os callos do triste? Ai dos pés dos soes e das estrellas.

Alheio a isto e chorado só o preciso e no menos tempo que pode quando lhe morre o filho que esquecerá pelos anos fóra, salvo nos aniversarios... [...]

A vitalidade recupera e reanima. Os mortos ficam enterrados. [...]


Título: A maioria dos homens vive
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: II
Número: 407
Página: 152
Nota: [1-69 misto];