A leitura dos jornaes


L. do D.

A leitura dos jornaes, sempre penosa do ponto de
vêr esthetico, é-o frequentemente tambem do moral, ainda pa-
ra quem tenha poucas preoccupações moraes.

As guerras e as revoluções — ha sempre uma ou ou-
tra em curso de que narram — chegam, na leitura dos seus effeitos, a causar
não horror mas tedio. Não é a crueldade de todos aquelles
mortos e feridos, o sacrificio de todos os que morrem baten-
do-se, ou são mortos sem que se batam, que pesa duramente na
alma: é a estupidez que sacrifica vidas e haveres a qualquer
coisa inevitavelmente inutil. Todos os ideaes e todas as am-
bições são um desvairo de comadres homens. Não ha imperio
que valha que por elle se parta uma boneca de creança. Não
há ideal que mereça o sacrificio de um comboio de lata. Que
imperio é util ou que ideal proficuo? Tudo é humanidade, e
a humanidade é sempre a mesma — variavel mas inaperfeiçoavel,
oscillante mas improgressiva. Perante o curso inimploravel
das coisas, a vida que tivemos sem saber como e perderemos
sem saber quando, o jogo de dez mil xadrezes que é a vida em
comum e lucta, o tedio de contemplar sem utilidade o que se
não realiza nunca                     — que pode fazer o sa-
bio senão pedir o repouso, o não ter que pensar em viver,
pois basta ter que viver, um pouco de logar ao sol e ao ar campo
e ao menos o sonho de que ha paz do lado de lá dos montes.


Identificação: bn-acpc-e-e3-1-1-89_0172_85_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.4cm X 21.6cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Datiloscrito (black-ink) : Testemunho datiloscrito a tinta preta, com revisões manuscritas a tinta preta.
Data: 1929 (low)
Nota: LdoD, Texto escrito no recto de uma folha inteira.
Fac-símiles: BNP/E3, 1-85r.1