Penso às vezes que nunca sairei da Rua dos Douradores


Penso às vezes que nunca sairei da Rua dos Douradores. E isto escrito, então, parece-me a eternidade.

Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.

Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é sómente ser mudado de cela. A arte, se nos liberta dos manipansos assentes e obsoletos, também nos liberta dos ideais generosos e das preocupações sociais — manipansos também.

Encontrar a personalidade na perda dela — a mesma fé abona esse sentido de destino.


Título: Penso às vezes que nunca sairei da Rua dos Douradores
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 708
Página: 569
Nota: [2-67 e 68, ms.];