O olfacto é uma vista estranha


L. do D.

O olfacto é uma vista estranha. Evoca paysagens sentimen-
taes por um desenhar subito do subconsciente. Tenho sentido
isto muitas vezes. Passo numa rua. Não vejo nada, ou, antes,
olhando tudo, vejo como toda a gente vê. Sei que vou
por uma rua e não sei que ella existe com lados feitos de casas
differentes e construidas por gente humana. Passo numa rua. De
uma padaria sahe um cheiro a pão que nauseia por doce no chei-
ro d'elle: e a minha infancia ergue-se de determinado bairro
distante, e outra padaria me surge d'aquelle reino das fa-
das que é tudo que se nos morreu. Passo numa rua. Cheira de
repente ás fructas do taboleiro inclinado da loja estreita;
e a minha breve vida de campo, não sei já quando nem onde, tem
arvores ao fim e socego no meu coração, indiscutivelmente me-
nino. Passo uma rua. Transtorna-me, sem que eu espere, um
cheiro aos caixotes do caixoteiro: ó meu Cesario, appa-
reces-me e eu sou emfim feliz porque regressei, pela recordação,
á unica verdade, que é a literatura.


Identificação: bn-acpc-e-e3-2-1-91_0161_81_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.0cm X 21.3cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Datiloscrito (blue-ink) : Testemunho datiloscrito a tinta azul.
Data: 27-07-1930 (high)
Nota: LdoD, Texto escrito no recto de uma folha inteira, que contém no verso o timbre «Toscano e Cruz Limitada».
Fac-símiles: BNP/E3, 2-81r.1