Quanto mais aprofundamos, com a vida


Quanto mais aprofundamos, com a vida, a própria sensibilidade, mais ironicamente nos conhecemos. Aos 20 anos eu cria no meu destino funesto; hoje conheço o meu destino banal. Aos 20 anos aspirava aos Principados do Oriente; hoje contentar-me-ia, sem pormenores nem perguntas, com um fim de vida tranquilo aqui nos subúrbios, dono de uma tabacaria vagarosa.

O pior que há para a sensibilidade é pensarmos nela e não com ela. Enquanto me desconheci ridículo, pude ter ambas em grande escala. Hoje que sou quem sou, só me restam os valores que delibero ter.


Título: Quanto mais aprofundamos, com a vida
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 554
Página: 441 - 442
Nota: TSC-2008 p. 441;
Nota: Apenas Teresa Sobral Cunha inclui este texto no corpus do "Livro do Desassossego".