Penso às vezes que nunca sairei


Penso às vezes que nunca sairei da Rua dos Douradores. E isto escrito então parece-me a eternidade.

Não o prazer, não a glória, não o poder: a liberdade, unicamente a liberdade.

Passar dos fantasmas da fé para os espectros da razão é sómente ser mudado de cela. A arte, se nos liberta dos manipansos assentes e abstractos, também nos liberta das ideias generosas e das preocupações sociais — manipansos também.

Encontrar a personalidade na perda dela — a mesma fé abona esse sentido de destino.


Título: Penso às vezes que nunca sairei
Heterónimo: Bernardo Soares
Número: 34
Página: 74
Nota: [2-67 e 68, ms.];