Desde que possamos


L. do D.

Desde que possamos considerar este mundo uma illusão e um phantasma, poderemos considerar tudo que nos acontece como um sonho, coisa que fingiu ser porque dormiamos. E então nasce em nós uma indifferença subtil e profunda para com todos os desaires e desastres da vida. Os que morrem viraram uma esquina, e porisso os deixámos de vêr; os que soffrem passam perante nós, se sentimos, como um pesadello, se pensamos, como um devaneio ingrato. E o nosso proprio soffrimento não será mais que esse nada. Neste mundo dormimos sobre o lado esquerdo e ouvimos nos sonhos a existencia oppressa do coração.

Mais nada... Um pouco de sol, um pouco de brisa, umas arvores que emmolduram a distancia, o desejo de ser feliz, a magua de os dias passarem, a sciencia sempre incerta e a verdade sempre por descobrir... Mais nada, mais nada... Sim, mais nada...

21-6-1934.


Título: Desde que possamos
Heterónimo: Não atribuído
Número: 435
Página: 427
Data: 21-06-1934
Nota: [5-33r];