Edição do Arquivo LdoD - Usa (BNP/E3, 5-48)

Tenho por intuição


            L. do D.

Tenho por intuição que para as
creaturas como eu nenhuma cir-
cumstancia material pode ser pro-
picia, nenhum caso da vida ter
uma solução favoravel. Se já por outras razões me
affasto da vida, esta contribue tam-
bem para que eu me affaste. Aquellas
sommas de factos que, para os ho-
mens vulgares, inevitabilizariam o
exito, teem, quando me dizem respeito,
um outro resultado qualquer, inespe-
rado e adverso.

Nasce-me, ás vezes, de esta constatação,
uma impressão dolorosa de ini-
mizade divina. Parece-me que só por
um ageitar consciente dos factos, de
modo a que me sejam maleficos, a serie
de desastres, que define a minha vida,
me poderia ter acontecido.

Resulta de tudo isto para o meu
esforço que eu não intento nunca
demasiadamente. A sorte, se quizer, que
venha ter commigo. Sei de sobra que o meu
maior esforço não logra o conseguimento
que noutros teria. Porisso me abandono á
sorte, sem esperar nada d'ella. Para quê?


2

O meu estoicismo é uma necessidade
organica. Preciso de me couraçar contra
a vida. Como todo o estoicismo não
passa de um epicurismo severo,
desejo, quanto possivel, fazer que a minha
desgraça me divirta. Não sei até que
ponto o consigo. Não sei até que
ponto consigo qualquer cousa. Não
sei até que ponto qualquer cousa
se pode conseguir...

Onde um outro venceria vence, não
pelo seu esforço, mas por uma inevitabilidade
das cousas, eu nem por essa inevitabilidade,
nem por esse aquelle esforço venço ou venceria.

Nasci talvez espiritualmente, num
dia curto de inverno. Chegou cedo a noite
ao meu ser. Só em frustração e aban-
dono posso realizar a minha
vida.

No fundo, nada disto é estóico.
É só nas palavras que ha a nobreza
do meu soffrimento. Queixo-me, como
uma creada doente. Ralo-me como
uma dona de casa. A minha vida é in-
teiramente futil e inteiramente triste.