[LITANIA DA DESESPERANÇA] Se a nossa vida fosse um eterno estar-à-janela


Se a nossa vida fosse um eterno estar-à-janela, se assim ficássemos, como um fumo parado, sempre, tendo sempre o mesmo momento de crepúsculo dolorindo a curva dos montes. Se assim ficássemos para além de sempre! Se ao menos, aquém da impossibilidade, assim pudéssemos quedar-nos, sem que cometêssemos uma acção, sem que os nossos lábios lívidos pecassem mais palavras!

Olha como vai escurecendo!... O sossego /positivo/ de tudo enche-me de raiva, de qualquer coisa que é o travo no sabor da aspiração. Dói-me a alma... Um traço lento de fumo ergue-se e dispersa-se lá longe... Um tédio inquieto faz-me não pensar mais em ti...

Tão supérfluo tudo! Nós e o mundo e o mistério de ambos.


Título: [LITANIA DA DESESPERANÇA] Se a nossa vida fosse um eterno estar-à-janela
Heterónimo: Vicente Guedes
Número: 34
Página: 77 - 78
Nota: [5-1, ms.];Teresa Sobral Cunha edita este texto como parte da sequência '[LITANIA DA DESESPERANÇA]' (2008: 75-78).;