Conselhos ás mal-casadas


L. do D.
Conselhos ás mal-casadas
                                                                                                    As mal-casadas são todas as mulheres
                                                                                                    casadas, e algumas solteiras.

Livrae-vos sobre tudo de cultivar os sentimentos humanitarios. O humanitarismo é uma grosseria.

Escrevo a frio, raciocinadamente, pensando em vosso bem-estar, pobres mal-casadas.

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A arte toda, toda a libertação, está em submetter o espirito o menos possivel, deixando ao corpo, que se submetta á vontade.

Ser immoral não vale a pena, porque diminue, aos olhos dos outros, a v[ossa] personalidade, ou banaliza. Ser immoral dentro de si, cercada do maximo respeito alheio. Ser esposa e mãe corporeamente virginal e dedicada, e ter porem comettido debauches inexplicaveis com todos os homens da vizinhança, desde os merceeiros até aos ☐ — eis o que maior sabor tem a quem realmente quer gosar e alargar a sua individualidade, sem descer ao methodo da creada de servir, que, por ser também d'ellas é baixo, nem cahir na honestidade rigorosa da mulher profundamente estupida, que é decerto filha do interesse.

Segundo a vossa superioridade, almas femininas que me ledes, sabereis comprehender o que escrevo. Todo o prazer é do cerebro; todos os crimes, já se disse, “é nos nossos sonhos que se comettem ”. Lembro-me de um crime bello, real. Não o houve nunca. São bellos os que nós não lembramos. Borgia cometteu bellos crimes? Accreditai-me que não cometteu. Quem os cometteu bellissimos, purpureos, faustuosos, foi o nosso sonho de Borgia, foi a idéa de Borgia que ha em nós. Tenho a certeza que o Cesar Borgia que existiu era um banal e um estupido, tinha de o ser porque existir é sempre estupido e banal.

Dou-vos estes conselhos desinteressadamente aplicando o meu methodo a um caso que me não interessa. Pessoalmente, os meus sonhos são de Imperio e gloria; não são sensuaes de modo algum. Mas quero ser-vos util, ainda que mais não seja, só para me arreliar, porque detesto o util. Sou altruista a meu modo.


Título: Conselhos ás mal-casadas
Heterónimo: Não atribuído
Número: 115
Página: 121
Data: 1915 (low)
Nota: [5-65];