Jacinto do Prado Coelho - edição anotada - Usa Jacinto do Prado Coelho(509)

Parecerá a muitos que este meu diario


L. do D.

Parecerá a muitos que este meu diario, feito para mim, é artificial de mais. Mas é de meu natural ser artificial. Com que hei de eu entreter-me, depois, senão com escrever cuidadosamente estes apontamentos espirituaes! De resto, não cuidadosamente os escrevo. É, mesmo, sem cuidado limador que os agrupo. Penso naturalmente n'esta minha linguagem requintada.

Sou um homem para quem o mundo exterior é uma realidade interior. Sinto isto não metaphysicamente, mas com os sentidos usuaes com que colhemos a realidade.

A nossa frivolidade de hontem é hoje uma saudade (constante) que me roe a vida.

Ha claustros na hora. Entardeceu nas esquivanças. Nos olhos azues dos tanques um ultimo desespero reflecte a morte do sol. Nós eramos tanta cousa dos parques antigos; de tão voluptuoso modo estavamos incorporados na presença das estatuas, no /talhado inglez das aleas/. Os vestidos, os espadins, as perruques, [sic] os meneios e os cortejos pertenciam tanto à substancia de que o nosso espirito era feito! Nós quem? O repuxo apenas, no jardim deserto, agua alada, onda já menos alta no seu acto triste de /querer voar/.