Esthetica do Desalento


L. do D.

Esthetica do Desalento

Já que não podemos extrahir belleza da vida, busquemos ao menos extrahir belleza de não poder extrahir belleza da vida. Façamos da nossa fallencia uma victoria, uma cousa positiva e erguida, com columnas, magestade e aquiescencia espiritual.

Se a vida [não] nos deu mais do que uma cella de reclusão, façamos por ornamental'-a, ainda que mais não seja, com as sombras de nossos sonhos, desenhos e côres /mixtas/ esculpindo o nosso esquecimento sob a parada exterioridade dos muros.

Como todo o sonhador, senti sempre que o meu mistér era crear. Como nunca soube fazer um esforço ou activar uma intenção, crear coincidiu-me sempre com sonhar, querer ou desejar, e fazer gestos com sonhar os gestos que desejaria poder fazer.


Título: Esthetica do Desalento
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: II
Número: 519
Página: 263 - 264
Nota: [5-80, ms.];