L. do D. (ou Teive?)
Quantas coisas, que temos por certas ou jus-
tas, não são mais que os vestigios dos nossos so-
nhos, o somnambulismo da nossa incomprehensão!
Sabe acaso alguem o que é certo ou justo?
Quantas coi-
sas, que temos por bellas, não são mais que o
uso da epocha, a ficção do logar e da hora∧! Quan-
tas coisas, que temos por nossas, não são mais
que aquillo de que somos perfeitos espelhos, ou
envolucros transparentes, alheios no sangue á
raça da sua natureza!
Quanto mais medito na capacidade, que temos,
de nos enganar, mais se me esvahe entre os dedos
lassos a areia fina das certezas desfeitas. E
todo o mundo me surge, em momentos em que a medi-
tação se me torna um sentimento, e com isso a
mente se me obnubila, como uma nevoa feita de
sombra, um crepusculo dos angulos e das arestas,
uma ficção do interludio, uma demora da antemanhã.
Tudo se me transforma em um absoluto morto de
elle mesmo, numa estagnação de pormenores. E os
mesmos sentidos, com que transfiro a meditação
para esquecel-a, são uma especie de somno, qual-
quer coisa de remoto e de sequaz, intersticio,
differença, acaso das sombras e da confusão.
Nesses momentos, em que comprehenderia os
ascetas e os retirados, se houvesse em mim poder
de comprehender os que se empenham em qualquer
exforço com fins absolutos, ou em qualquer crença
capaz de produzir um exforço, eu crearia, se pu-
desse, toda uma esthetica da desconsolação, uma
rhythmica intima de ballada de berço,
coada pelas ternuras da noite em grandes afasta-
mentos de outros lares.
Fiquei confuso d'esta dupla existencia da verdade.