Attingir, no stado mystico


L. do D.

Attingir, no stado mystico, só o que esse stado tem de grato, sem o que tem de exigente; ser o extático [...] o mystico ou [...] sem iniciação: passar o curso dos dias na meditação de um paraiso em que se não crê — isto tudo sabe bem à alma, se ella conhecer o que é desconhecer.

Vão altas, por cima de onde estou, corpo dentro de uma sombra, as nuvens silenciosas; vão altas, por cima de onde estou, alma captiva num corpo, as verdades incognitas... Vae alto tudo... E tudo passa no alto como em baixo, sem nuvem que deixe mais (do) que chuva, em verdade que deixe mais (do) que dor... Sim, tudo o que é alto, passa alto e passa; tudo o que é de appetecer está longe e passa longe... Sim, tudo attrahe, tudo é alheio e tudo passa.

Que me importa saber, ao sol ou à chuva, corpo ou alma, que passarei também? Nada, salvo a esperança de [que] tudo seja nada e portanto o nada seja tudo.


Título: Attingir, no stado mystico
Heterónimo: Bernardo Soares
Volume: I
Número: 179
Página: 203 - 204
Data: 29-06-1934
Nota: [7-49, ms.];