Viver uma vida desapaixonada e culta


L. do D.

Viver uma vida desapaixonada e culta, ao relento
das idéas, lendo, sonhando, e pensando em escrever, uma vida
sufficientemente lenta para estar sempre á beira do tedio,
bastante meditada para se nunca encontrar nelle. Viver essa
vida longe das emoções e dos pensamentos, só no pensamento
das emoções e na emoção dos pensamentos. Estagnar ao sol, dou-
radamente, como um lago obscuro rodeado de flores. Ter, na
sombra, aquella fidalguia da individualidade que consiste em
não insistir para nada com a vida. Ser no volteio dos
mundos como uma poeira de flores, que um vento incognito er-
gue pelo ar da tarde, e o torpor do anoitecer deixa baixar
no logar de acaso, indistincta entre coisas maiores. Ser isto
com um conhecimento seguro, nem alegre nem triste, reconheci-
do ao sol do seu brilho e ás estrellas do seu afastamento.
Não ser mais, não ter mais, não querer mais... A musica do
faminto, a canção do cego, a reliquia do viandante incognito,
as passadas no deserto do camello vazio sem destino...


Identificação: bn-acpc-e-e3-9-1-52_0020_9_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (27.2cm X 21.1cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Com marca LdoD
Datiloscrito (black-ink) : Testemunho datiloscrito a tinta preta.
Data: 1932 (low)
Nota: LdoD, Texto escrito no recto de uma folha inteira.
Fac-símiles: BNP/E3, 9-9r.1