L. do Des.
Viver do sonho e para o sonho, desman-
chando o Universo e recompondo-o, [dis-
trahidamente] conforme mais apraza ao
nosso momento de sonhar. Fazer isto
consciente, muito conscientemen-
te, da inutilidade e de o fazer.
Ignorar a vida com todo o corpo, perder-
se da realidade com todos os sentidos,
abdicar do amor com toda a alma.
Encher de areia vã os cantaros da nossa
ida á fonte e despejal-os para os
tornar a encher e despejar, futilissima-
mente.
Tecer grinaldas para, logo que acabadas,
as desmanchar totalmente e minucio-
samente.
Pegar em tintas e mistural-as na paleta
sem tela ante nós onde pintar. Mandar
vir pedra para burilar sem ter buril nem
ser esculptor. Fazer de tudo ∧um absurdo e
(alongar em futeis todas as horas
∧requintar para ∧em ∧futeis todas as nossas estereis horas).
Jogar ás escondidas com a nossa consciencia de
viver.
E sobre tudo isto, como um céu uno e azul
o horror de viver paira ∧paire alheadamente.
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Esculpir em silencio nullo todos os nossos sonhos de
fallar. Estagnar em torpor todos os nossos pensamentos
de acção.
Mas as paysagens sonhadas são apenas fumos
de paysagens conhecidas e o tedio de as sonhar
é ∧também quasi tão grande como o tedio de ∧olharmos
para o mundo.
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Ouvir as horas ∧Deus dizer-nos que existimos
com um sorriso deliciado e incredulo.
Vêr o Tempo pintar o mundo e achar o quadro não
só falso mas vão ∧ôco.
Pensar em phrases que se contradigam,
fallando alto em sons que não são sons e
côres que não são côres. Dizer — e comprehendel-o,
o que é aliás impossivel — que temos consciencia
de não ter consciencia, e que não somos
o que somos. Explicar isto tudo por um
sentido oculto e paradoxo que as cousas
tenham no seu aspecto outro-lado e divino,
e não acreditar demasiado na explicação
para que não hajamos de a abandonar.