A noite invadia lentamente
A noite invadia lentamente
a minha inattenção. Despertei
de repente para a vêr entrada.
Flutuavam ainda, nas indeci-
sões da Natureza, ruidos incertos
como se as cousas impuzessem
o manto para adormecer.
Tive um outro intervallo commigo
proprio. Tornei a meditar
sem saber em quê. Quando de
novo despertei o silencio era
absoluto — lago invisivel de
todos os meus sonhos idos e
das minhas esperanças mortas,
e a minha consciencia da vida
afundava-se lentamente n'elle,
assumindo, á medida que se
afundava, noções novas de possi-
bilidades de comprehender a vida
sob outros aspectos, vagos terrores
todos e interiores.
As casas eram grandes jazigos
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impossiveis. As arvores, no seu
alinhamento ao longo da
avenida, vagas attitudes despidas
de nos poderem dar qualquér
idéa de vegetaes.
Tive de repente uma sensação
ampla e absurda — a de que
eu era um mar, ou o traço
de um mar, que a vaga
proa de não sei que navio
vinha erguidamente abrindo.
Pareceu-me que me dividia e
que atravez do meu dividir-me
passavam sensações de outras
cousas, ∧e que essas sensações
por me dividirem no passar,
não eram sentidas por mim.
Acabou tudo como uma
rua quando viramos a
esquina. Tive uma difficul-
dade physica em me crêr exis-
tente. Para além da linha
dos cimos dos predios olhava a
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mudez das estrellas. Olheia-as
e pensei no quanto ellas eram
sempre novas e mysteriosas
para quem olha a vida de
lado.
Um grande cansaço — sensação
da inutilidade de andar
e da extranheza de haver
o facto de gente que anda e
essa gente ser eu e conscien-
cia — roeu-me como um
remorso. Precipitei-me
ao encontro de todas as
sensações absurdas que vieram
a seguir. Não sei quaes
fôram. Sei que d'ellas ficou
apenas, ecco ondeante,
com desalento esbatido e
acido, uma descrença até
nas crenças que eu ainda ha-
veria de ter.
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Entre dois predios definira-
se o espaço arvorizantemente
negro ∧do jardim de um
d'elles. Pude vêr, ao
fundo, por cima das silhue-
tas de outros predios em outras
ruas o crescente exaggera-
damente nitido da lua.
A vista d'elle pareceu
fallar-me da necessi-
dade de sentir outra lua
qualquér, outra cousa nova
e novamente absurda, ante
ella, mas uma incapa-
cidade de poder pensar
em sentir mais cousas envolveu-
me como um manto que levissima-
mente me impuzessem.