Agir é intervir


Agir é intervir. Um braço que se estende
occupa espaço e torna-se, assim, uma esculptura
metaphysica. Nunca pude deixar de dar a este
facto insignificante uma importancia alada
sobre [o] quotidiano.

Nunca vi em mim senão uma romaria de inconsciencias
para o outomno das minhas intenções. As longas horas que tenho
passado á beira do meu correr teem-me cançados rios sobre [a] existência.

Com os meus passos treme a luz das
estrellas. Um gesto da minha mão, que
me occulta a lua um momento, mostra,
com este meu assombro, quanto pode
realmente significar. De estes pensa-
mentos, tornados domesticos e quotidianos
ao meu escrupulo, adveio ao meu
instincto que elle naufragasse no porto.

Pareceu-me sempre que ser era ousar; que
querer era aventurar-se. Inercia sou-
be-me a santidade, e não-
querer a ter bons-costumes. Construi-me
assim uma moral burgueza media do pensa-
mento, um cuidado da comodidade
e da decencia atravez do respeito
do mysterio. A exaggerada consciencia,
que sempre tive, dos meus momentos,
doeu-me sempre a mysterio e a divino.
Nunca me comprehendi, sobretudo quando
me surprehendi a viver as inconsciencias
dos meus instinctos e a vulgar correcção
dos meus reflexos nervosos.


Identificação: bn-acpc-e-e3-138a-1-82_0041_21_t24-C-R0150
Heterónimo: Não atribuído
Formato: Folha (15.7cm X 10.8cm)
Material: Papel
Colunas: 1
LdoD Mark: Sem marca LdoD
Manuscrito (pen) : Testemunho manuscrito a tinta preta.
Nota: , Texto escrito no recto de uma folha inteira. O fragmento apresenta marcações do autor que indicam a transposição da ordem dos parágrafos. No verso da folha consta uma lista com diversas entradas canceladas. Texto publicado por Richard Zenith em "Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal" (2003: 154).
Fac-símiles: BNP/E3, 138A-21r.1 , BNP/E3, 138A-21r.2